Racismo de negros contra brancos ganha força com identitarismo
O dogma reza que, como pretos são oprimidos, não dispõem de poder econômico ou
político para institucionalizar sua hostilidade antibranca. É uma tolice.
Ninguém precisa ter poder para ser racista, e pretos já contam, sim, com
instrumentos de poder para institucionalizar o seu racismo.
A história ensina: quem hoje figura
na posição de oprimido pode ter sido opressor no passado e voltar a ser no
futuro. Muçulmanos escravizaram e mataram multidões de pretos durante séculos
de tráfico negreiro na África.
No entanto, a visão atualmente
dominante, marcada por ignorância e fraudes históricas, quando não pode negar o
racismo negro, argumenta que o racismo branco do passado desculpa o racismo
preto do presente. Mas o racismo é inaceitável em qualquer circunstância. A
universidade e a elite midiática, porém, negaceiam.
Em "Coloring the News",
William McGowan lembra uma série de ataques racistas de pretos contra brancos
no metrô de Washington. Em um deles, um grupo de adolescentes negros gritava:
"Vamos matar todos os brancos!". O Washington Post, contudo, não
tratou o conflito como conduta racial criminosa e sim como "confronto de
duas culturas".
McGowan sublinha que a recusa em
reconhecer a realidade do racismo antibranco é particularmente evidente na
cobertura midiática de crimes de pretos contra brancos.
De nada adianta a motivação racial
ser ostensiva, como no caso de ataques a idosos brancos no Brooklyn, quando um
membro da gangue preta declarou: "Fizemos um acordo entre nós de não
roubar mulheres pretas. Só pegaríamos mulheres brancas. Foi um pacto que todos
fizemos. Só gente branca".
O "detalhe" não foi
mencionado nas reportagens do jornal The New York Times, e a postura foi a
mesma quando três adolescentes brancos foram atacados por uma gangue de jovens
pretos no Michigan. Os rapazes pretos curraram a moça branca e fuzilaram um
jovem branco.
O New York Times não indigitou o
caráter racial do crime e o relegou a uma materiazinha de um só dia. Se os
papéis fossem invertidos, uma gangue de jovens brancos currando uma mocinha
preta e assassinando um jovem negro, o assunto seria explorando amplamente —e
em mais de uma reportagem. Lá, como aqui, o "double standard"
midiático é um fato.
Merece destaque o racismo preto
antijudaico, que não é de hoje. Em Crown Heights, no verão de 1991, os pretos
promoveram um formidável quebra-quebra que se estendeu por quatro dias, durante
o qual gritavam "Heil Hitler" em frente a casas de judeus.
Mas a elite midiática, do New York
Times à ABC, contornou sistematicamente o racismo, destacando que séculos de
opressão explicavam tudo.
Vemos o racismo negro também contra
asiáticos. Na história racial de Nova York, negros aparecem tanto como vítimas
quanto como agressores criminosos. Judeus e asiáticos, ao contrário, quase que
só se dão mal.
Em um boicote preto a um armazém do
Brooklyn, cujos proprietários eram coreanos, os pretos foram
inquestionavelmente racistas. Diziam aos moradores do bairro que não comprassem
coisas de "pessoas que não se parecem com nós" e chamavam os coreanos
de "macacos amarelos".
Curiosamente, por mais de três
meses, a grande mídia não deu a menor atenção ao boicote. Um jornalista do New
York Post denunciou: "Se fosse boicote da Ku Klux Klan a um armazém de um
negro, logo se tornaria assunto nacional. Por que as regras são outras quando
as vítimas são coreanas?".
Não são poucos, de resto, os
comerciantes coreanos que perderam a vida em enfrentamentos com
"consumidores" negros. Há casos de militantes pretos extorquindo
amarelos. Extorsão e violência racistas, é claro.
Sob a capa do discurso
antirracista, o racismo negro se manifesta por meio de organizações poderosas
como a Nação do Islã, supremacista negra, antissemita e homofóbica.
Discípula, de resto, de Marcus
Garvey —admirador de Hitler (seu antissemitismo chegou a levá-lo a procurar uma
parceria desconcertante com a Ku Klux Klan) e de Mussolini—, que virou guru de
Bob Marley e do reggae jamaicano, fiéis do culto ao ditador Hailé Selassié, o
Rás Tafari, suposto herdeiro do Rei Salomão e da Rainha de Sabá.
A propósito, a Frente Negra
Brasileira, na década de 1930, não só fez o elogio aberto de Hitler, inclusive
tratando Zumbi como um "Führer de ébano", como apoiou o Estado Novo
de Getúlio Vargas, versão tristetropical do fascismo italiano —e o próprio
Abdias do Nascimento, guru de nossos atuais movimentos negros, foi militante
integralista.
O líder da Nação do Islã, Louis
Farrakhan, sempre exibiu também um franco e ostensivo racismo antijudaico.
Hoje, o Black Lives Matter pede a morte dos judeus em manifestações públicas.
Em um artigo recente no jornal Le
Monde ("Biden, au coeur du combat identitaire"), Michel Guerrin
sublinhou que o "antissemitismo está bem presente no poderoso movimento
Black Lives Matter".
A turma discursa contra o
"genocídio" palestino, "organiza manifestações onde podemos
ouvir ‘matem os judeus’, é próxima do líder da Nação do Islã, Louis Farrakhan,
que fez o elogio de Hitler, e tem como cofundadora da sua seção em Toronto,
Canadá, Yusra Khogali, que praticamente chegou a pedir o assassinato de
brancos".
O racismo antijudaico de pretos
pobres dos guetos pode contar com alguma pequena motivação cotidiana, mas o que
pesa mesmo é o antissemitismo generalizado nas lideranças da esquerda
multicultural-identitária.
Tudo bem criticar o governo de
Israel. Os próprios israelenses costumam fazê-lo, vivendo em um regime
democrático, ave raríssima no Oriente Médio. Outra coisa é pregar o
desaparecimento de Israel, como querem o Irã e alguns movimentos de esquerda.
Aqui, o antissemitismo. O ódio multicultural-identitário a Israel parece não
ter limites.
Tomo Yusra Khogali —jovem mulata
sudanesa que não diz uma palavra sobre as atrocidades de negros contra negros
em seu país natal, vivendo antes no Canadá, onde se compraz em xingar a
opressão branca— como um caso exacerbado disso tudo.
Ela não só confessou que tem
ímpetos de assassinar todos os brancos. Expôs também uma fantasia
"acadêmica" que bem pode ser classificada como a primeira
imbecilidade produzida por um "neorracismo científico".
Vejam a preciosidade
pseudobiológica de madame Khogali: os brancos não passam de um defeito genético
dos pretos. "A branquitude não é humana. De fato, a pele branca é
sub-humana". Porque a brancura é um defeito genético recessivo. "Isto
é fato", afirma solenemente.
Diz que as pessoas brancas possuem
uma "alta concentração de inibidores de enzima que suprimem a produção de
melanina" e que a melanina é indispensável a uma estrutura óssea sólida, à
inteligência, à visão etc.
Enfim, apareceu a mulata racista
para inverter o "racismo científico" branco do século 19 — e dizer
que os brancos, sim, é que são uma raça inferior. Mas Yusra é apenas um
exemplo, entre muitos, e ela teve a quem puxar.
O fato é que não dá para sustentar
o clichê de que não existe racismo negro porque a "comunidade negra"
não tem poder para exercê-lo institucionalmente. Mesmo que a tese fosse
correta, o que está longe de ser o caso, existem já meios para o exercício do racismo
negro.
Engana-se, mesmo com relação ao
Brasil, quem não quer ver racismo, separatismo e mesmo projeto supremacista em
movimentos negros. O retorno à loucura supremacista aparece, agora, como
discurso de esquerda.
Se quiserem manter a complacência,
podem falar disso como de realidades apenas embrionárias, mas a verdade é bem
outra. Militantes pretos, como pastores evangélicos, querem o poder.
Não devemos fazer vistas grossas ao
racismo negro, ao mesmo tempo que esquadrinhamos o racismo branco com
microscópios implacáveis. O mesmo microscópio deve enquadrar todo e qualquer
racismo, venha de onde vier.
Como em um texto do escritor negro
LeRoi Jones: "Nossos irmãos estão se movimentando por toda parte,
esmagando as frágeis faces brancas. Nós temos que fazer o nosso próprio mundo,
cara, e não podemos fazê-lo a menos que o homem branco esteja morto".
Resta, então, a pergunta
fundamental. O neorracismo identitário é exceção ou norma? Infelizmente, penso
que é norma. Decorre de premissas fundamentais da própria perspectiva
identitária, quando passamos da política da busca da igualdade para a política
da afirmação da diferença.
Ao afirmar uma identidade, não
podemos deixar de distinguir, dividir, separar. Não existe identitarismo que
não traga em si algum grau e alguma espécie de fundamentalismo.
Nesse fundamentalismo, se o que
conta é a afirmação de um essencialismo racial, reagindo ressentido a
estigmatizações passadas, dificilmente os sinais supremacistas não serão invertidos.
As implicações disso me parecem óbvias.
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Fonte:
Jornal Folha de S. Paulo (15/01/2022)