Seleção Natural vs Desenho


Ou:
A "Seleção Intencional" de Darwin

Citando o livro “What is darwinism?”, de Charles Hodge (Princeton, 1870), o cientista espanhol Emilio de Cervantes discorre (“La ambigüedad, característica fundamental en Darwin.Ejemplo: significado de la palabra Natural") sobre o caráter ambiguo da Seleção Natural de Charles Darwin. Segundo ele, o naturalista inglês fez uso deste termo pelo menos com nove ou dez significados diferentes. Hodge, porém, destaca apenas dois sentidos para Seleção Natural, os quais sintetizam muito bem os ideais de Darwin ao difundir tal conceito:

1 – “Natural” como antagônico à “artificial”, ou seja, um tipo de “seleção” realizada por intermédio da ação humana com o intuito de se alcançar um determinado objetivo.

2 – “Natural” como oposto a “sobrenatural”, isto é, algo originado a partir de um poder superior agindo na natureza.

Desta forma, resume Hodge: “
Al fazer uso da expressão “seleção natural”, o Sr. Darwin tenciona excluir a possibilidade de um desenho ou de causas finais.” E, também assim, sintetiza Cervantes: “Por meio da construção denominada “Seleção Natural”, o objetivo dos textos de Darwin consiste em excluir desenhos e causas finais de sua descrição da natureza. Ao menos é assim para uma mente sincera do século XIX como à de Charles Hodge”.

Bem. Foi seguindo por este atalho, que me embrenhei em Darwin a fim de encontrar alguma pista que realmente pudesse confirmar tais suspeitas. E, não foi assim tão difícil. Se não, vejamos nas próprias palavras deste naturalista como este confronto (“natural” vs “sobrenatural” ou “aleatoriedade vs propósito”) se faz tão nítido quanto a luz no pino do meio dia. Note-se, nos textos a seguir, como Charles Darwin realça esta “oposição”, demonstrando assim seu objetivo ideológico em afirmar sua filosófica posição naturalista.

1 - Do livro:
“A expressão das emoções no homem e nos animais”. Charles Darwin. Companhia da Letras. São Paulo, 2009.

“A crença de que o rubor foi
especialmente designado pelo Criador opõe-se à teoria geral da evolução, hoje em dia ampla mente aceita; mas não é minha tarefa aqui discutir a questão geral. Aqueles que acreditam no desígnio terão dificuldades para explicar por que a timidez é a mais comum e eficiente das cau sas de rubor, se faz sofrer quem enrubesce e constrange quem observa, sem ter a menor utilidade para qualquer um dos dois. Também terão dificuldades para explicar por que negros e ou tras raças de pele escura enrubescem, já que neles a mudança de cor na pele é quase ou totalmente invisível (p. 287).

2 - Do livro:
"A Origem das Espécies, no meio da seleção natural ou a luta pela existência na natureza". Charles Darwin. Tradução do doutor Mesquita Paul. LELLO & IRMÃO – EDITORES. Porto, 2003.

"Ora, posto que numerosos pontos sejam ainda muito obscuros, se bem que devem ficar, sem dúvida, inexplicáveis por bastante tempo ainda, vejo-me, contudo, após os estudos mais profundos e uma apreciação fria e imparcial, forçado a sustentar que a opinião defendida até a pouco pela maior parte dos naturalistas, opinião que eu próprio partilhei, isto é, que cada espécie foi objeto de uma criação independente, é absolutamente errônea. Estou plenamente convencido que as espécies não são imutáveis; estou convencido que as espécies que pertencem ao que chamamos o mesmo gênero derivam diretamente de qualquer outra espécie ordinariamente distinta, do mesmo modo que as variedades reconhecidas de uma espécie, seja qual for, derivam diretamente desta espécie; estou convencido, enfim, que a seleção natural tem desempenhado o principal papel na modificação das espécies, posto que outros agentes tenham nela partilhado igualmente" (p. 18).

"A seleção natural opera apenas pela conservação e acumulação de pequenas modificações hereditárias de que cada uma é proveitosa ao indivíduo conservado; ora, da mesma forma que a geologia moderna, quando se trata de explicar a escavação de um profundo vale, renuncia a invocar a hipótese de uma só grande vaga diluviana, da mesma forma a seleção natural tende a fazer desaparecer a crença na criação contínua de novos seres organizados, ou nas grandes e inopinadas modificações da sua estrutura" (p. 110).

"Quem acredita nos atos numerosos e separados da criação, pode dizer que, nos casos desta natureza, aprouve ao Criador substituir um indivíduo pertencendo a um tipo por um outro pertencendo a um outro tipo, o que me parece ser o enunciado do mesmo fato numa forma aperfeiçoada. Quem, pelo contrário, crê na luta pela existência ou no princípio da seleção natural, reconhece que cada ser organizado tenta constantemente multiplicar-se em número; sabe-se, além disso, que se um ser varia por pouco que seja nos hábitos e na conformação, e obtém assim uma vantagem sobre qualquer outro habitante da mesma localidade, se apodera do lugar deste último, por mais diferente que seja do que ele ocupava primeiramente.
Também se não experimenta surpresa alguma vendo gansos e fragatas com os pés palmados, posto que estas aves habitam a terra e se coloquem raramente sobre a água; codornizões de dedos alongados vivendo nos prados em lugar de viver nas lagoas; picanços habitando lugares desprovidos de árvores; e, enfim, melros ou himenópteros mergulhadores e alcatrazes tendo os costumes dos pingüins" (p. 197).

"A comparação entre o olho e o telescópio apresenta-se naturalmente ao espírito. Sabemos que este último instrumento foi aperfeiçoado pelos esforços contínuos e prolongados das mais altas inteligências humanas, e concluímos daí naturalmente que o olho se formou por um processo análogo. Será esta conclusão presunçosa? Temos o direito de supor que o Criador põe em jogo forças inteligentes análogas às do homem? Se quisermos comparar o olho a um instrumento óptico, devemos imaginar uma camada espessa de um tecido transparente, embebido de líquido, em contato com um nervo sensível à luz; devemos supor também que as diferentes partes desta camada mudam constantemente e lentamente de densidade, de forma a separar-se em zonas, tendo uma espessura e uma densidade diferentes, desigualmente distantes entre si e mudando gradualmente de forma à superfície. Devemos supor, além disso, que uma força representada pela seleção natural, ou a persistência do mais apto, está constantemente espiando todas as ligeiras modificações que afetem camadas transparentes, para conservar todas as que, em diversas circunstâncias, em todos os sentidos e em todos os graus, tendem a permitir a perfeição de uma imagem mais distinta. Devemos supor que cada novo estado do instrumento se multiplica por milhões, para se conservar até que se produza um melhor que substitua e anule os precedentes. Nos corpos vivos, a variação causa as ligeiras modificações, a reprodução multiplicas quase ao infinito, e a seleção natural apodera-se de cada melhoramento com uma segurança infalível. Admitamos, enfim, que esta marcha se continua durante milhões de anos e se aplica durante cada um a milhões de indivíduos; poderemos nós admitir então que se possa ter formado assim um instrumento óptico vivo, tão superior a um aparelho de vidro como as obras do Criador são superiores às do homem?" (p. 200-201).

"As observações precedentes levam-me a dizer algumas palavras sobre o protesto que fizeram alguns naturalistas contra a doutrina utilitária, após a qual cada particularidade de conformação se produziu para vantagem do seu possuidor. Sustentam que muitas conformações foram criadas por simples amor da beleza, para encantar os olhos do homem ou os do Criador (este último ponto, contudo, está fora da discussão científica), ou por mero amor da variedade, ponto que já discutimos. Se estas doutrinas fossem fundadas, seriam absolutamente fatais à minha teoria" (218).

"Este sistema é incontestavelmente engenhoso e útil. Mas muitos naturalistas julgam que o sistema natural comporta alguma coisa mais; crêem que contêm a revelação do plano do Criador; mas a menos que se não precise se esta expressão significa por si mesma a ordem no tempo ou no espaço, ou ambas, ou enfim o que se entende por plano de criação, parece-me que isto nada acrescenta aos nossos conhecimentos" (p. 474).

"Não há tentativa mais vã do que querer explicar esta semelhança do tipo entre os membros de uma classe pela utilidade ou pela doutrina das causas finais. Owen admitiu expressamente a impossibilidade de chegar a este ponto no seu interessante trabalho sobre a Natureza dos Membros. Na hipótese da criação independente de cada ser, podemos apenas notar este fato, juntando que aprouve ao Criador construir todos os animais e todas as plantas de cada grande classe sobre um plano uniforme; mas não é explicação científica. A explicação apresenta-se, pelo contrário, por si mesma, por assim dizer, na teoria da seleção das modificações ligeiras e sucessivas, sendo cada modificação de qualquer maneira vantajosa à forma modificada e afetando muitas vezes por correlação outras partes do organismo. Nas alterações desta natureza, não poderia haver mais que uma fraca tendência a modificar o plano primitivo, e nenhuma em transpor as partes" (p. 497).

3 - Do livro:
"A origem do homem e a seleçao sexual". Charles Darwin. Tradução: Attílio Cancian e EduardoNunes Fonseca. HEMUS — LIVRARIA EDITORA LTDA. São Paulo, 1974.

Seja-me permitido dizer, como justificativa, que tinha em mente dois assuntos distintos: o primeiro, o de que as espécies não ha viam sido criadas separadamente; e o segundo, o de que a seleção natural tinha sido o agente principal das mudanças, embora largamente coadjuvado pêlos efeitos hereditários dos hábitos e claramente pela ação direta das condições ambien tais. Contudo, não tenho sido capaz de neutralizar a influên cia da minha primitiva opinião, então quase universal, de que cada espécie fora criada intencionalmente e isto levou ao tá cito assentimento de que todo particular da estrutura, com exceção dos rudimentos, tivesse uma determinada utilidade, embora desconhecida. Todo aquele que assim pensasse, natu ralmente poderia estender em muito a ação da seleção natural, tanto no passado como no presente. Alguns daqueles que admitem o princípio da evolução, mas rejeitam
aseleção na tural, ao tecerem críticas ao meu livro parecem esquecer que eu tinha pelo menos dois objetivos em mente. Com efeito, se me equivoquei ao atribuir à seleção natural uma excessiva importância, a qual hoje estou bem longe de admitir, ou se lhe exagerei o poder que em si mesmo é provável, pelo menos espero ter prestado um bom serviço, ajudando a pôr por terra o dogma das criações separadas" (p. 77).

"Nos últimos anos os antropólogos — que se dividiram nas duas escolas de monogenistas e poligonistas — muito têm dis cutido a questão se o género humano consiste de uma ou mais espécies. Aqueles que não admitem o princípio da evolução devem considerar as espécies como criações separadas ou, de certo modo, como entidades distintas e devem estabelecer quais formas do homem considerar como espécies pela ana logia de método comumente seguida ao classificar outros se res orgânicos como espécies. Mas é uma tarefa insana decidir sobre este assunto, até que se aceitem algumas definições do termo "espécie" e a definição não deve incluir um elemento indeterminado como um ato de criação" (p .209).

"Quem não se contenta com olhar, como fazem os selvagens, os fenómenos da natureza com um espírito desligado, já não pode mais pensar que o homem seja um ato separado da criação. Ele seria forçado a reconhe cer que a estreita semelhança de um embrião humano com aquele, por exemplo, de um cão — a estrutura do crânio, dos membros e de todo o esqueleto sobre uma base igual àquela dos outros mamíferos, independentemente do uso a que estão destinados — o reaparecimento ocasional de diversas estru turas, por exemplo de alguns músculos, que o homem nor malmente não possui, mas que são comuns aos quadrúmanos — e uma série de fatos análogos — da maneira mais evidente levam todos à conclusão de que o homem, juntamente com os outros mamíferos, descende de um antepassado comum" (p. 698).

"A ideia de um Criador universal e benigno não parece que só surgiu na mente hu mana quando o homem se elevou mediante uma longa cultura. Quem acredita na procedência do homem de alguma for ma inferior organizada, naturalmente perguntará como é que isto tem relação com a crença da imortalidade da alma. Con forme J. Lubbock demonstrou, as raças humanas bárbaras não possuem uma ideia clara desse tipo, mas já viram que os argumentos deduzidos das crenças primitivas dos selvagens são de pouca ou nenhuma utilidade. Alguns indivíduos sen tem-se inquietos diante da impossibilidade de determinar em que momento preciso do desenvolvimento do indivíduo, desde o primeiro vestígio e uma minúscula bexiga germinal, o ho mem se tornou um ente imortal; e haja visto que não deve haver nenhuma causa de maior ansiedade pelo fato de que não é possível determinar este momento na gradual ascensão da escala orgânica.
Estou perfeitamente cônscio do fato de que as conclusões a que chegamos nesta obra serão denunciadas por alguém como sendo bastante irreverentes; mas essa pessoa deverá en tão demonstrar por que razão é um ato irreligioso explicar a origem do homem como espécie distinta mediante a deri vação de alguma forma inferior, por meio das leis da variação e da seleção natural, do que explicar o nascimento do individuo através das leis da reprodução normal. O nascimento, tanto da espécie como do indivíduo, faz igualmente parte da quela grande sequência de eventos, que a nossa mente se recusa a considerar como consequências da cegueira do acaso. O intelecto se rebela diante de tal conclusão de que sejamos capazes ou menos capazes de crer que toda ligeira variação da estrutura — a união de todo casal, a disseminação de todo sémen — e outros acontecimentos semelhantes tenham sido todos dispostos para qualquer fim particular (p. 704-705).

É iss
o!

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